Diante de situações que nos pareçam
inusitadas é importante e esclarecedor recorrer à História, perguntando se isso
já ocorreu antes, em algum tempo e lugar. O Movimento do Passe Livre (MPL) na
capital paulista chamou mobilização contra o aumento da tarifa do ônibus de
R$3,00 para R$3,20, algo em torno de 6,7% de aumento.
Tal
mobilização fugiu ao controle do MPL e tomou proporções que surpreendeu a
todos. Cabe observar que o MPL não é uma organização hierarquicamente
estruturada, acaba sendo um fórum que luta em defesa do transporte público, do
passe livre, da tarifa zero, da estatização, porém apartidário (não tem vínculo
direto com nenhum partido político) e suprapartidário (participam militantes de
vários partidos no movimento); mas nunca anti-partidário (contra a existência
de partidos).
A
análise feita por setores da esquerda e ativistas de que o movimento social no
Brasil se encontrava num grande refluxo foi afrontada com a surpresa das massas
nas ruas. O governo e a direita acreditavam que estava absolutamente tudo sob
controle e, em 2014, decidiriam quem, nesta disputa bipolar, administraria para
o capital.
Nos
anos 80, o país viveu uma grande ascensão dos movimentos sociais que culminou
na criação de um partido fortemente ligado a pauta dos movimentos sociais e uma
central sindical com forte representatividade no movimento operário. Assim, o
Partido dos Trabalhadores e a Central Única dos Trabalhadores passaram a
liderar e serem referência nas mobilizações e lutas dos diversos movimentos
sociais por todo o país, tanto urbanos como do campo. Importante registrar,
neste processo, que o movimento iniciado em 1983, no governo do general
João Batista Figueiredo, que propunha eleições diretas para o
cargo de Presidente da República, ganhou o apoio dos partidos e, em pouco
tempo, a simpatia da população. Ambos se fortaleceram nesse processo.
No
início dos anos 90, com a chegada de Collor à presidência da república, com ele
chega também o projeto neoliberal no Brasil. Mas a instalação de uma máfia no
núcleo do poder em Brasília, que drenava os recursos públicos para seus cofres,
acabou por inviabilizar o governo apoiado e incentivado pelas Organizações
Globo, e aí veio o impeachment. Quando
em 92 o povo saiu às ruas exigindo a renúncia do presidente e o Brasil, de
norte a sul, começou a pintar a cara, vários setores reivindicaram a
paternidade do movimento. (Por força da dialética, hoje caras pintadas e
ex-presidente são senadores).
O
PT e a CUT já consolidados como projeto alternativo, com lideranças
reconhecidas nacionalmente e internacionalmente, se fortaleceram como
organizações representativas da classe trabalhadora. Também, data do início dos
anos 90, o Congresso do PT que retira do seu programa a defesa do socialismo,
bem como, a ascensão da liderança de José Dirceu e de um novo projeto para
chegar ao governo federal que, entre outras coisas, apontava para uma política
de alianças mais amplas tanto partidárias como social. (Foi o que possibilitou,
em 2002, a
presença do maior empresário da indústria têxtil do país na chapa com L. I.
Lula da Silva).
Na
oposição ao Governo F.H. Cardoso, PT e CUT mudaram a forma de atuação: passaram
a fazer a denúncia do entreguismo daquele projeto, a falta de atenção para as
demandas populares e o favorecimento do capital internacional e nacional.
Fizeram o desgaste do governo psdbista para se fortalecer enquanto projeto
eleitoral alternativo. Não se tem mais a
preocupação com a organização dos trabalhadores, haja vista que a CUT, por sua
vez, passa a agir no marco da conciliação de classes, passa a sentar com o
governo e patrões cedendo as demandas desses em detrimento dos interesses da
classe que ela deveria representar. O objetivo agora é demonstrar, para os
donos do capital e para setores da sociedade, que são confiáveis e capazes de
administrar o país. Assim, tentam acabar com a resistência e o medo de um
eventual governo petista.
Quando
da marcha dos 100 mil para Brasília havia condições políticas de se chamar o
fora FHC e o PT, na pessoa do futuro presidente, foi contra afirmando que isso
geraria instabilidade e insegurança, inclusive para um possível futuro governo
seu. (Parece que ele estava certo, uma vez que a crise do mensalão tinha
condições objetivas para derrubar o presidente, mas todos os setores o pouparam
e a esquerda, por sua vez, estava na sua luta fratricida). Para a classe dominante,
o PT oferecia como diferencial em relação ao PSDB, o controle sobre os
movimentos sociais – a marcha dos 100 mil era exemplo disso. Com eles, a elite
continuaria tendo tudo o que tinha e mais a paz de não ter o povo nas ruas
expondo suas mazelas e a responsabilizando. Os maiores sindicatos do país
estavam (e ainda estão) sob seu controle: montadoras do ABC, bancários,
petroleiros, servidores, e ainda, movimentos populares do campo e da cidade;
enfim, o PT através da CUT controlava os principais setores de mobilização que
incomodavam o capital.
A
chegada do PT/Lula ao governo federal é selada com a Carta ao Povo Brasileiro.
O documento era um pacto com a elite do país (e com o capital internacional).
Firmava um compromisso com o capital e rompia definitivamente com qualquer
possibilidade de um governo popular – veja bem, ninguém mais acreditava na
hipótese de um governo de transição para o socialismo. O que se instalou foi um
governo com fortes elementos populistas: nunca os ricos desse país ganharam
tanto dinheiro e nunca os pobres receberam tantas “bolsas”.
Dito
e feito. O Governo Lula sob a batuta de José Dirceu estabeleceu uma nova
relação de alianças políticas: a cooptação, tanto no parlamento como no
movimento social. Passou-se a comprar parlamentares para a base de apoio ao
governo, fato que tem sua fratura exposta na reforma da previdência – o
propalado mensalão. Na outra mão, lideranças dos movimentos sindical (não só
cutista), popular e estudantil também são compradas com cargos na administração
federal ou de outra forma com a finalidade de garantir a não mobilização.
Entramos assim, em um período que diversos setores da esquerda combativa que
não foi cooptada, que não se seduziu pelo canto da sereia, que não capitulou
passou a caracterizar como refluxo do movimento dos trabalhadores.
O
que sobrou de esquerda no país foi tão pequeno, do ponto de vista da
representatividade, que não representava mais nenhum perigo ao establishment. Por outro lado, como o inimigo estava agigantado, a pequena esquerda
resolveu ficar brigando entre si para ver quem iria dirigir os trabalhadores a
partir de então (foi o que ocorreu no CONCLAT de Santos), mas atenção,
esqueceram que os trabalhadores estavam sob o lastro social daqueles. Não se
construiu um partido unitário que buscasse ser a referência para a classe; não
se construiu uma central frente única para ser a referência para os
trabalhadores. É bem verdade que foi criado o Partido Socialismo e Liberdade, e
a Conlutas do ponto de vista sindical. Ambos insuficientes para a tarefa que
estava posta, pois também voltados para suas entranhas.
Façamos um parêntese aqui necessário
para dar uma olhada, mesmo que breve, para o que estava ocorrendo no mundo nos
anos 80 e 90. Dois grandes fatos nos chamam a atenção. 1- Os governos
neoliberais de M. Thatcher, na Inglaterra e de R. Reagan nos EUA espalhando
pelo mundo a bandeira do Estado mínimo: equilíbrio das contas públicas,
enxugamento da máquina administrativa, corte nos gastos sociais e privatizações;
2- As grandes mobilizações nos países do Leste Europeu que levou a queda de
vários regimes e governos simbolizados na queda do muro de Berlim e culminou na
desintegração da URSS. Não dá para neste espaço analisar as consequências e
implicações desses dois fatos históricos, mas queremos registrar que tudo isso
estava influenciando os diversos sujeitos políticos aqui também.
Dez anos após a chegada do PT ao
governo federal as ruas explodem à revelia de qualquer tutela. A esquerda
combativa não se organizou para ter envergadura e dirigir as massas, em que
pese que ao longo desses anos foram feitos inúmeros esforços de organização e
mobilização, que deram sim, certa resposta, mas nada comparável com isso que estamos
vendo em todo o país. Vale citar, a título de exemplo, a greve da construção
civil iniciada nas usinas de Jirau, Santo Antônio e Belo Monte e se espalhou
por catorze estados; a greve das universidades federais paralisando vinte
estados; as lutas dos professores em todo o país em defesa da educação pública;
os estudantes da Bahia e do Rio Grande do Sul; os bombeiros e a polícia,
principalmente do Rio de Janeiro e da Bahia; as ocupações urbanas e rurais;
enfim, na verdade não podemos dizer que o “gigante acordou”, pois de norte a
sul estavam ocorrendo lutas neste país.
Os dez anos de PT sufocando os
movimentos sociais, calando a voz daqueles que insistiam em gritar para a
sociedade que nunca antes nesse país banqueiros ganharam tanto dinheiro, que
nunca antes nesse país a classe trabalhadora esteve tão endividada resultou
nisso: tomada das ruas, praças, avenidas e rodovias por todo o país,
demonstrando que não aguentamos mais. Cabe aqui fazer uma breve caracterização
dessas manifestações. Esse movimento que eclodiu por todo o país a partir da
mobilização chamada em São Paulo, capital, contra o aumento da tarifa do ônibus
(uma pauta antiga do movimento popular e estudantil) pegou a todos de surpresa,
pois ninguém tinha imaginado que daria nisso. O MPL vem organizando atos há
anos e nunca de caráter massivo. O nível de indignação aumentou quando,
prefeito e governador, trataram com desdém o movimento (como de hábito),
provocando um crescimento significativo do número de participantes na
manifestação ocorrida no dia 13/06. Também como de costume, mandou-se a tropa
de choque resolver o problema social (nos mesmos moldes que vimos na ocupação
Pinheirinho). A violência indiscriminada e desproporcional da policia militar,
transmitida ao vivo pela TV, provocou uma comoção geral – e aí tivemos outra
uma surpresa – inclusive colocando a grande imprensa ao lado da manifestação.
Um movimento que começou com dois
mil participantes, agora estava nas ruas com mais de trinta mil e fora de
controle, uma vez que não se tinha uma liderança efetiva do movimento. O que
está nas ruas é muito maior do que o MPL, que passou de o ‘convocante’ para
mais um ‘convocante’. A grandeza da mobilização é decorrente do potencial das
redes sociais. A internet foi o grande veículo utilizado na convocação das
manifestações. As massas nas ruas não aceitam ser tuteladas por nenhuma
organização, seja sindical, popular, estudantil ou partidária - proclamou seu ‘espontaneísmo’.
No entanto, correram para lá todos que enxergaram a possibilidade de
influenciar politicamente o movimento. A direita apostando no desgaste da
administração petista e no uso eleitoral que possa fazer em 2014, escondendo no
meio dos manifestantes com lemas nacionalistas e anti-partidários, fazendo
lembrar dos regimes de exceção. Em que pese o comportamento fascista de alguns
manifestantes, de setores da ultra-direita e até a presença de skinhaeds
está longe de podermos afirmar que existe um movimento conservador crescente no
país, de natureza golpista dirigindo esse movimento. Repudiamos veementemente e
denunciamos toda e qualquer tentativa de impedir a liberdade de expressão e
violência contra ativistas.
Os petistas, por sua vez, estão
vendo nas manifestações elementos golpistas, se eles estão no governo liderando
uma coalizão à direita, quem estaria orquestrando tal golpe, a ultra-direita ou
a esquerda? Devaneio! A elite desse país pode não gostar do PT, mas os
resultados falam mais altos e por eficiência ela está com ele. Mas tentam tomar
proveito para as eleições 2014 e eleger Dilma no primeiro turno.
A grande imprensa vendo que não tem
uma liderança à frente do movimento tenta ela liderar, procura pautar e
organizar os manifestantes, é ela quem faz a campanha para o “sem partido”. É
ela quem orienta os manifestantes como agir em situação de vandalismo. É quem
incentiva a ‘deduragem’.
Finalmente, os setores da esquerda,
esses ainda estão procurando entender essa grande mobilização; já sabemos que
não é a revolução; mas tem um potencial de revolta muito forte, no entanto, a
esquerda histórica ainda não encontrou espaço para dialogar com os
manifestantes e a população em geral sobre a pauta.
Em 10 anos no poder não tem uma
única bandeira dos movimentos sociais que o PT tenha atendido, mesmo sendo um
dos que empunhou lá nos anos 80, inclusive a do passe livre para os estudantes.
O que vimos foram direitos conquistados serem atacados pelo traidor. Perdeu-se
a esperança, perdeu-se a paciência.
E aqui temos mais uma questão. A
eleição F. Haddad alimentava a expectativa de mudanças e o que se viu é que
tudo continua como antes e o aumento da tarifa do ônibus foi o estopim para
toda essa angústia de nada mudar, só a nossa condição de vida que piora. E
ainda, por cima, essa tal de inflação que volta a bater em nossa porta. Todo
mundo esta acompanhando essa tal crise mundial: Do economista ao estudante, do
ministro da Fazenda a dona de casa. Todos estão vendo grandes mobilizações na
Europa, no Norte da África, no Oriente Médio, nos Estados Unidos e na América
Latina. E o governo brasileiro, dizendo que a crise não chegou no Brasil,
mantendo o país em estado de euforia, pois o crédito permitiu ter acesso ao “sonho”
da casa própria, do carnê do carro zero ou usado, da universidade, da TV HD 64” ... que somos a sexta
economia do planeta, o mundo agora nos respeita e vamos fazer a Copa e as
Olimpíadas aqui. Como todos sabemos, euforia é algo que dura algum tempo, mas
não é permanente.
Descobrimos (na verdade já sabíamos)
que a Copa dom Mundo é um grande Cavalo de Tróia, que a FIFA nos deu. Que as
obras foram superfaturadas e ao final os estádios foram entregues à Iniciativa privada
e que vamos assistir os jogos da Copa do Mundo pela televisão, pois os
ingressos são muito caros. Vimos que o nível de endividamento que fomos
induzidos nos compromete por anos a fio e que nossos salários não estão sendo
reajustados nem mesmo com o índice de inflação. Que a tal crise está aqui sim,
que o governo tem tomado medidas para proteger o capital (como a redução de
impostos, por exemplo) e que no próximo período deve-se agravar, provocando a
alta da inflação, dos juros e do desemprego. Tornou-se insuportável: Os
estudantes estão nas ruas e com eles virão o conjunto da classe trabalhadora do
campo e da cidade, do setor privado e dos serviços públicos. Não é a revolução,
mas aqueles que disseram que a história havia chegado ao fim, que a utopia
morreu acordem para reescrever a História.
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