quarta-feira, 17 de julho de 2013

O Homem Fáustico – Uma reflexão sobre a obra de Marshall Berman ‘Tudo que é sólido desmancha no ar – A aventura da modernidade’


A lenda alemã fala sobre um homem extremamente culto e inteligente. Fausto, descrito por Goethe, segundo Marsahll Berman, em seu livro Tudo que é sólido desmancha no ar, é o iluminista perfeito. Durante toda a sua vida, Fausto se dedicou aos saberes do mundo: Estudos sobre medicina, política, cultura. Até que chegou o dia em que Fausto sabia tudo o que havia para saber.
Sem perceber, ao dedicar-se tanto para conhecer sobre tudo, Fausto perdeu contato com o mundo externo. Ele não mais convivia com pessoas e embora soubesse o significado do verbo viver, não mais o sentia. No primeiro capítulo de seu livro, Berman discorre sobre a vida e a história fáustica e sobre todas as transformações por ele vividas.
A lenda conta que Fausto, ao perceber que sua sabedoria havia chegado ao ápice não só da sua mente, mas da possibilidade da época, percebe também que não havia vivido. E sentindo-se perdido e desesperançoso, decide pelo suicídio. Mefistófoles, conhecido na cultura ocidental como o demônio, aproveita-se da fraqueza de Fausto e o tenta. A partir daí, as sucessivas mudanças sofridas pelo personagem são todas relativas.
O propósito fáustico representa o processo pelo qual a sociedade tem que passar para se desenvolver. Mas não só isso. A fase inicial, chamada por Berman de ‘O Sonhador’, é a mais subjetiva e pessoal de toda a história, em que é ressaltada a importância do conhecimento individual e pessoal e que, se transpassada para toda a coletividade, reflete uma mudança social. A Alemanha da época ainda estava muito ligada ao feudalismo. A ânsia de transformação do autor é traduzida na história de Fausto, em que a mudança do mundo é o maior de seus desejos.
A segunda metamorfose do personagem é o coração da obra. Antes inseguro nesta fase, Fausto transforma-se num conquistador e toda sua atenção é direcionada à Gretchen – uma jovem camponesa que nada mais é que uma imagem do protagonista em sua infância, sua inocência, sua capacidade de sonhar e seu pequeno mundo. O romance vivido entre os dois personagens é uma representação de um romance impossível, cujos limites foram determinados pela sociedade. Não há ascensão social; não há direitos femininos.
O protagonista se apaixona por um ideal de mulher. Sua visão de Gretchen era, na verdade, uma visão, uma projeção de si mesmo como criança. Quando Fausto viu Gretchen como ela realmente era, uma mulher com desejos e anseios próprios, ele a abandonou. A destruição do conceito de mulher de Fausto implica na destruição como parte necessária do processo humano de desenvolvimento. “O crescimento humano tem custos humanos; qualquer um que o deseje tem que pagar o preço, e o preço é altíssimo.” P.57
A morte de Gretchen é um capítulo importante desta metamorfose. Enquanto para muitos críticos Gretchen morre como uma mulher conformada, Berman a traduz como quase uma feminista. Sua morte foi a única maneira encontrada pela personagem de enfrentar a sociedade da época. Ao rejeitar a ajuda de Fausto, Gretchen rejeita também o homem machista, que oferece ajuda por pena e não por amor. Sua condenação foi o último obstáculo pelo qual Fausto precisava passar para chegar à fase que é considerada o seu ápice: a fase política, chamada por Berman de O Fomentador.
O que ocorre nesta etapa é uma transformação material do mundo e, ao mesmo tempo, das forças econômicas, políticas e sociais que dirigem a sociedade. Até então, todas as transformações comentadas, embora refletissem transformações sociais, foram, na verdade pessoais. E daqui em diante, Fausto “expande o horizonte de seu ser, da vida privada para a pública, da intimidade para o ativismo, da comunhão para organização. Lança todos os seus poderes contra a natureza e a sociedade; luta para mudar não só a sua vida, mas a vida de todos.” P. 61
A narrativa de Goethe foi programada para que o leitor percebesse a interiorização do “demônio” pelo protagonista. Enquanto tentava pôr em tentação um simples humano, Mefisto acaba transformando Fausto em uma espécie de deus, um criador. A comprovação disso vem com a construção de uma cidade no pântano, com pessoas ‘criadas’ pelo protagonista. “Nada de sonhos e fantasias, nem sequer de teorias, mas programas concretos, planos operacionais para transformar a terra e o oceano.” P. 62
Como parte da construção dessa versão política de Fausto, Berman traz à tona a importância do sofrimento e da exploração para que o progresso ocorra e que exprime um dos conceitos de modernidade: a busca incessante pela transformação. “Fausto vislumbra, e luta para criar, um mundo onde crescimento pessoal e progresso social possam ser atingidos com o mínimo de sacrifícios humanos. Ironicamente, sua tragédia decorre exatamente do seu desejo de eliminar a tragédia da vida. É como se o processo de desenvolvimento, ainda quando transforma a terra vazia num deslumbrante espaço físico e social, recriasse a terra vazia no coração do próprio fomentador. É assim que funciona a tragédia do desenvolvimento.” P. 66 e 67.
Por: Camila Garcia e Mariana Chiré






Publicado originalmente no blog:
Teoria da Comunicação II

Bibliografias e divagações sobre Cultura e Comunicação

Nenhum comentário:

Postar um comentário